A primeira década deste novo milênio já está marcada pela crescente e alarmante preocupação com os problemas de agressão e degradação ao meio ambiente ocasionados pelo descompromisso histórico das sociedades, além dos impactos que seus interesses capitalistas causaram e causarão durante as próximas décadas. A revolução industrial e o mundo moderno contribuíram significativamente para nossa involução ambiental. Em meio a emissões de gases e de líquidos poluentes, alta produção de carbono, aquecimento global e outros termos tão conhecidos e pronunciados nesta década, a geração de resíduos, um dos problemas ambientais mais antigos das civilizações, ainda é um dos mais preocupantes.
Enquanto a América do Norte e a Europa criam leis severas à geração de resíduos industriais e buscam soluções para purificar os seus ares, os países da América Latina, da África e da Ásia Oriental, numa tendência contrária aos primeiros, tentam seduzir suas indústrias com mão-de-obra barata e poucas ou inexistentes leis ambientais a fim de criar sua própria “revolução industrial”. Alagoinhas é um município com cerca de 150 mil habitantes e gera, diariamente, 75 toneladas de lixo, além de sediar importantes indústrias para a economia baiana com atuação em diferentes setores. O município iniciou o milênio nesta tendência e preocupou-se em desenvolver ações e políticas de sustentabilidade ambiental consorciada com ações de reparação e inclusão social, indiscutivelmente necessárias devido a história de exploração e escravidão no Brasil. A prefeitura convidou o Rede CataBahia, projeto de incubação de cooperativas de catadores de materiais recicláveis, idealizado pela ONG Pangea – Centro de Estudos Socioambientais, a estimular e assessorar os catadores a construir o que, desde outubro de 2006, conhecemos por CORAL – Cooperativa de Catadores e Recicladores de Alagoinhas.
O resultado da catação do dia era o pão da noite. Sem estudos, sem moradia e enfermos na maioria das vezes, sem perspectivas de melhoria de vida, tentando completar sua renda com raras oportunidades de trabalhos informais ou, simplesmente, bicos: os intervalos sem o labor eram muito maiores que a sua duração. O papelão das lojas de todos os dias, as embalagens dos produtos dos grandes, super e hiper mercados, as latinhas dos finais de semana das famílias felizes, e as garrafas dos infindáveis bares da jovem cidade, aquilo que não serve a muitas famílias sustenta a do catador.
Com a criação da cooperativa de catadores em Alagoinhas, os catadores começaram a sonhar com novas e grandes possibilidades: com a renda, que agora é mensal, os catadores criaram crediários no varejo, com responsabilidade, e contribuem significativamente para o aumento da circulação de moeda no comércio; com a assistência social, administrativa, da saúde e de infra-estrutura da prefeitura, ela colabora para o desenvolvimento da cooperativa; e com os projetos de alfabetização MOVA BRASIL, do Governo Federal, e TOPA, uma parceria do Governo Estadual e Municipal, e com o incentivo do Projeto Rede Cata Bahia à continuação dos estudos os catadores aprendem a ler, escrever e transformar seus sonhos em realidade.
Em seu 6º semestre de atividades, a cooperativa CORAL já instaurou a coleta seletiva em metade da área urbana do município e tem transformado resíduos em trabalho, renda, segurança, saúde, dignidade, inclusão social, educação, ação ambiental através das mãos e sorrisos de ex-catadores do aterro e das ruas desta e das cidades vizinhas. A partir da implantação do projeto no município, os catadores vêm vencendo uma incessante luta contra a exploração dos “atravessadores”, destinando as 1.300 toneladas de resíduos coletados diretamente às indústrias de reciclagem. A cooperativa contribuiu ainda para o aumento de 17 dias de vida útil do aterro.
Gozam destes benefícios 70 cooperados, que retribuem à cidade com a geração de mais de meio milhão de reais e a economia, direta e indiretamente, das contas públicas com limpeza urbana de aproximadamente 1 milhão e 600 mil reais; e minimizando os efeitos da desigualdade social.
Já passaram pela CORAL – Cooperativa de Catadores e Recicladores de Alagoinhas cerca de 180 catadores e o projeto atingiu, direta e indiretamente, aproximadamente 470 pessoas em situação de risco social. A cooperativa possui uma estrutura composta por uma sede, no centro da cidade, e mais 4 postos de coleta nos bairros, chamados de ecopontos. A aplicação do projeto de ampliação da CORAL, com a construção e ativação de um galpão maior e mais adequado na área administrativa do aterro municipal de Alagoinhas, pelo BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social levará a cooperativa a um grande crescimento com a abertura de até 165 novos postos de trabalho e com o processamento de até 30 do total de 75 toneladas diárias geradas pela população do município.
Mas a cooperativa não pára por aí, a CORAL, que conta com o apóio da Prefeitura Municipal de Alagoinhas para alcançar sua meta de cobrir 100% da área urbana e de processar todo o resíduo gerado pelo município, espera contribuir para o aterro completar seus 20 anos de vida útil, sem a qual não conseguirá; para a geração de uma economia de milhares de reais para os cofres públicos; para a geração de até 450 postos de trabalho, beneficiando a 1200 pessoas; e, assim, tornar-se uma das maiores empresas da região.
Nestes 3 anos, a população de Alagoinhas aprendeu a mudar os seus hábitos quando o tema é coleta seletiva, e vem melhorando cada vez mais, percebendo a importância da separação do lixo e de seu papel neste processo. Contudo, as indústrias do município ainda teimam em se isentar de sua responsabilidade e de, conseqüentemente, participar, como estruturas importantes que são, deste jogo da vida.
Todos nós, indistintivamente, apresentamo-nos agentes importantes e cada um possui o seu papel.
Em novembro ainda deste ano, encerra-se a parceria com o PANGEA. Este desfecho ocorre num momento ainda inadequado, ou inapropriado do desenvolvimento da Cooperativa CORAL e isto pode comprometer a sustentabilidade do projeto no município. Apesar de vetores apontarem para caminhos tão incertos, esperamos que este seja um momento para a construção de novas possibilidades e alternativas.
Entretanto, este é um momento de alegria para a cooperativa e os catadores estão de parabéns por seus anos de luta, compromisso e sonho.
Alagoinhas, 15 de outubro de 2009.